2024-03-20

Como deve a renovação automática de plafonds de comunicações ser feita? É a questão que a ANACOM colocou em discussão pública até abril.

 Uma proposta de decisão da ANACOM, em discussão pública durante o corrente mês, questiona o mercado sobre eventual limitação da possibilidade de renovação automática dos plafonds de dados, após o esgotamento do volume inicialmente contratado pelos consumidores.

A iniciativa desta medida resultou, segundo a ANACOM, da análise de uma amostra de perto de 437 casos ocorridos entre janeiro de 2021 e junho de 2023, considerando-se que o universo total de casos poderá ter chegado aos 4000.

Portanto, combinando estes elementos com os dados do portal do consumidor, ao longo destes 30 meses, das cerca de 200 reclamações apresentadas diariamente, quatro, terão reclamado porque (i) não sabiam que se esgotassem o plafond de dados que tinham contratado poderiam ser ativados plafonds adicionais, (ii) não conseguiram impedir a ativação automática dos adicionais, porque (iii) não receberam avisos de se estarem a esgotar os limites iniciais e, por fim, (iv) porque, lhes cobraram múltiplos plafonds sucessivos.

Com estes elementos em vista, e tendo em conta os dados que a ANACOM apurou junto dos operadores, ficamos a saber que efetivamente a possibilidade de ativação de plafonds adicionais estava prevista nos contratos de adesão e que existiam mecanismos que permitiam o barramento ou, pelo menos, a limitação destas funcionalidades. Ao que parece esta funcionalidade estaria disponível de forma automática, ie, sem necessidade de intervenção adicional do consumidor, sendo neste ponto que, de acordo com a ANACOM, o problema se coloca.

É pena que na fundamentação desta proposta de deliberação nada seja dito sobre a forma como os operadores responderam aos consumidores nas diversas situações. Não sendo juridicamente o mesmo desconhecer o teor de um contrato ou não ter, em devido tempo, a possibilidade de impedir o consumo de volumes extras de dados. A resposta dos operadores seria um elemento fundamental para justificar ou não a eventual intervenção regulamentar.

Acresce ainda que, tendo em conta os dados disponibilizados nos Relatórios de Regulação de 2021 e 2022, pelo que se consegue apurar, não foi levantado qualquer processo de contraordenação sobre esta matéria. Aliás, a este propósito, é interessante notar que, mesmo recuando o período até ao ano de 2014, as contraordenações relativas à prestação de informações aos consumidores e a práticas desleais e proteção de utilizadores (que inclui contratos e fidelização) representaram apenas 14% do número total de processos de contraordenação.[1] 

Segundo o projeto de deliberação, a questão resume-se a saber se, à luz da Lei das Comunicações Eletrónicas, da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, do Regime aplicável às Práticas Comerciais Desleais, e do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, se “será legal e proporcional uma prática que passa pela ativação e cobrança automática de plafonds adicionais de dados ou outras comunicações sempre que um utilizador final esgote a totalidade dos dados ou comunicações incluídos no preço periódico do tarifário que contratou, com base numa aceitação prévia e genérica desse automatismo por via da adesão às condições do tarifário em questão, aquando da respetiva subscrição, aceitação essa que a empresa considera como dispensando qualquer posterior solicitação ou aceitação da ativação e consequente cobrança desses plafonds adicionais”.

O facto de reconhecer que não tem competência “para a supervisão do cumprimento das (...) disposições do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais ou da Lei de Defesa do Consumidor”, não impede a ANACOM de declarar contrário ao princípio da boa-fé que as empresas procedam “ à ativação automática de plafonds adicionais de comunicações, designadamente de dados móveis, imediatamente após o esgotamento do plafond incluído no preço periódico do tarifário contratado, sem que o utilizador final o tenha solicitado ou em tal tenha consentido de forma expressa e específica – isto é, relativamente a cada um dos plafonds adicionais a ativar –, exclusivamente com base na respetiva adesão às condições gerais do referido tarifário, que preveem essa ativação automática por defeito”.

Para resolver a questão a ANACOM propõe uma de duas hipóteses:

1. A imediata cessação da ativação automática de plafonds adicionais de comunicações, designadamente de dados móveis, sem que os utilizadores finais tenham solicitado ou consentido, expressa e especificamente, nessa ativação, imediatamente antes ou após o esgotamento do plafond incluído no tarifário; ou, em alternativa

2. Que se mantenha a ativação automática de plafonds adicionais através de um sistema de opt-in, em que esta opção “possa ser livremente selecionada, de forma expressa e ativa, pelos utilizadores finais desde que, por um lado, e que, por outro, o possam fazer de forma fácil e expedita, limitando o número e/ou volume dos plafonds adicionais a ativar, e lhes seja dada a opção de barrar posteriormente essa possibilidade, se assim o desejar”.

Perante estas opções, não será difícil antever qual será a mais popular.

Independentemente das conclusões finais a que se chegar, é pena que a opção de centrar a questão na vertente estritamente jurídica e abstrata da matéria e a sua respetiva fundamentação, tenha sido feito à custa da quase total omissão de elementos que permitissem um melhor juízo sobre a necessidade, a proporcionalidade ou razoabilidade desta medida regulamentar.

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